“Ô, Cride, fala pra mãe que tudo que a antena captar meu coração captura.”

maisa

Motivado pelo post do Bruno Medina, na semana passada, em seu Instante Posterior, resolvi me manifestar com base na polêmica envolvendo menina Maisa e o ultraconhecido apresentador, investidor e dono de meio mundo Silvio Santos (SS).

 Nas duas últimas semanas, o caro leitor já deve ter se deparado com algumas dezenas de matérias e ouvido outras tantas opiniões sobre o fato de o apresentador ter feito a menina prodígio chorar no palco. Medina, no referido texto, até propõe o movimento “Free Maisa”, para que se devolva a infância a quem é de direito. Mas hoje quero ir um pouco além do que se mostra de imediato. Não quero questionar se a conduta de SS é contrária ao Estatuto da Criança e do Adolescente, muito menos se os pais de Maisa são permissivos ou não. Deixemos as consequências de lado e nos atenhamos às causas.

 Vamos falar sobre o conteúdo dos programas desta reconhecida emissora, sob a regência contínua do Homem do Carnê?

 Não é de hoje que absurdos são vistos nos programas de auditório do SBT. Num primeiro flashback, vamos ao ano de 1985, ao Tudo por Dinheiro, atração que foi exibida até 1989 e retornou em 1991 com o nome de Topa Tudo por Dinheiro. Com o impagável bordão “Quem quer dinheiro?” éramos expostos a cenas no mínimo desnecessárias. Você pode argumentar, leitor, que assistir a um canal é algo voluntário, tão quanto submeter-se aos quadros que mostravam que as pessoas realmente topavam tudo por dinheiro. Humilhação? Desrespeito pela condição alheia? Não posso afirmar. São só questões. Responda-me, por favor, o que você acha. Eu, que não sou dos maiores patriotas, não seria capaz de fazer gaivotas com a moeda nacional e jogá-las a um público afoito. Eu, que não sou tão altruísta como deveria, não seria capaz de fazer o público que me dá audiência passar por provas vexatórias.

 Voltemos no tempo um pouco mais. As noites de domingo no início da década de 80 já eram disputadas entre o Fantástico e o Show de Calouros. As duas atrações já eram veiculadas antes de eu nascer, de forma que, enquanto crescia, estava submetido às escolhas dos meus pais. Isto significa que, em alguns domingos, SS e seu júri invadiam minha sala. Nada demais em um programa de auditório com o formato típico da década de 70, no estilo show de variedades. Candidatos a cantores, dubladores, artistas circenses e outras mil possibilidades eram vistos toda semana. Mas, eram realmente necessárias aquelas performances de transformistas?!

 Numa época em que os programas começavam com um comunicado de indicação etária, em que Roque Santeiro ainda não podia ser transmitida e em que “sirigaita” era o pior xingamento em um discussão acalorada nas novelas das 20h, penso hoje que não era coerente ver um monte de homens vestidos de personagens estranhos dançando na TV. Meus pais sempre tinham que responder à pergunta espantada: Mas esse aí é homem ou mulher? Ou, quando mais notórios: Mãe, por que esse moço tá vestido de mulher e dançando que nem mulher? Era esse um dos programas da família brasileira quase três décadas atrás. Ainda bem que as Garotas do Fantástico já tinham seu espaço nessas noites.

 Longe de qualquer conotação homofóbica ou algo que o valha, meu propósito aqui é mostrar que toda essa manifestação a favor da menina de cabelos de Shirley Temple já deveria ter ocorrido, mesmo que por motivos diversos. Todos nos compadecemos quando vemos uma criança chorando. Mas não era necessário que um promotor ameaçasse o Sr. SS a pagar uma indenização de “UM MILHÃO DE REAIS”, quantia por ele tão falada, para que metade da mídia brasileira noticiasse o fato.

 Aqueles que viram e sofreram algum tipo de censura talvez tenham a impressão de que sugiro qualquer mecanismo externo de repressão. Não, de forma alguma! Apenas acho que a própria sociedade deveria se mobilizar para tirar do ar aquilo que não lhe convém. O boicote, exercício da nossa liberdade, é muito mais eficaz do que qualquer cerceamento de liberdades alheias. Talvez assim nosso consagrado apresentador de madeixas acaju, cujo trabalho é inegavelmente importante para o desenvolvimento da televisão brasileira, observasse a grande admiração que boa parte a população tem por ele, e então pudesse retribuir com respeito e programação de qualidade.

18 comentários

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18 responses to ““Ô, Cride, fala pra mãe que tudo que a antena captar meu coração captura.”

  1. Amanda

    Vc já disse tudo. Sem comentários! rs
    Bjkas meu amigo.

  2. Junior

    Boa!
    Boicote já! Melhor…programação de qualidade já!
    E…seu texto que não é cansativo. Creio eu, para todos os seus leitores.

    Abraços, irmão.

  3. Excelente matéria!! Sempre achei um falta de respeito e também um saco ver a pequena Maysa na telinha, assim como 90% da progamação… A TV tem alienado demais o povo! Boicote sim! Programação de qualidade já!!!!

    Beijos.

    • Wellington Campos

      Olá! Obrigado pela visita e pelo comentário.

      Realmente nos falta boa programação, não é?

      Beijo grande.

  4. Iris Correia

    O embate entre a menina prodígio e o homem do baú pode não passar da data de validade vencida do bom senso dele, mas a questão da boa programação, do bom produto a ser oferecido ao público extrapola os domínios e vontades absolutas do dono do SBT.

    Acho um pouco mais complexo pensar nestas situações. A administração da empresa está sob as mãos de outra pessoa, que, por incrível que pareça, filtra os desejos do mocinho. A eficiência deste outro ser é que deve ser questionada.

    Sim, os outros produtos televisivos de outros canais também exercem papel fundamental nesta briga pela qualidade. Mas é bom eu parar por aqui, foi quase um post no seu blog. Até porque, no oitavo período, pra mim, tudo deve ser pensado – por mim. E se depender de mim, tudo vira tema de monografia.
    rsrsrs

    • Wellington Campos

      Opa! Boa opinião chegando.

      Iris, quando questiono a qualidade da programação e a associo ao nome do dono da emissora, que apresenta as atrações há décadas, é apenas uma forma de representar o todo em uma figura, fazer da instituição uma figura antropomórfica. Questionar o SS é, na verdade, questionar o que a empresa nos oferece. Obviamente, meu boicote não é contra a pessoa, mas contra a programação até que ela tenha uma cara agradável. Seja SS, Celso Portioli, Gugu Liberato, Iris Abravanel enquanto nova autora da emissora, o qualquer outro, a recusa refere-se à programação e não aos agentes.

      Uma vez que o IBOPE caia, inevitavelmente as grade muda. O próprio SBT é mestre nisso. Já vimos atrações mudarem de horário mais de 10 vezes em um ano, já vimos seriados serem tirados do ar no meio da temporada, já vimos atrações que se esticam no ar até que os programas das outras emissoras acabem. Já que a função econômica é primordial, quem faz o mercado é a sociedade.

      Cuidado com a neurose do 8º. Ela passa. 😉

      Beijo.

  5. Iris Correia

    ahhh, não vamos discutir! Entendi que você critica o todo e não a parte. E acho que você entendeu quando eu disse que todas as mudanças são fruto da irresponsabilidade deste “alguém”. Ah! Não sou defensora dele!!! A culpa é dele, ora, é uma herança o serviço prestado.

    O que precisamos pensar é que outras empresas conseguem (tentam) dar conta da qualidade atrelando a preocupação com os recursos econômicos ao produto. No SBT, é preciso investigar a origem do mal, das transformações. Por que nada lá dentro dá certo? Vai além do boicote…

    torço pra que a neurose acabe.

    • Wellington Campos

      Hahahaha… a origem do mal pode inclusive estar nos espectadores, que ainda dão audiência pra esse tipo de coisa. Quem consome isso é “o povão”, aquele que se emociona com a história da mãe que se perdeu do filho 30 anos atrás e o reencontra, que chora vendo o retirante voltar pra sua “terrinha” porque São Paulo não era o paraíso do emprego. Difícil é convencer a essa massa poderosa de que isso tá longe do conceito de qualidade que aceitamos. Sair do “Panis et circensis”, mais circensis do que panis, é a questão.

      Ela acaba, como tudo. Não há mal que dure para sempre.

  6. Wellius,
    Infelizmente é esse o nível da televisão brasileira a que somos expostos diariamente. Como vc falou, não somos obrigados a ver, mas o que tem em outros canais abertos, não difere muito disso.
    É um absurdo alguns programas deste tipo ainda irem ao ar. O boicote pelos telespectadores já deveria ter acontecido.

    Boicote Já!
    Desligue a TV e vá ler um livro…rsrs

    Vou colocar o post lá no Blog do Argônio.

    • Wellington Campos

      Opa!

      Sou a favor não só dos livros, mas da TV de qualidade. Desde que, em função do IBOPE baixo, as programação vá se moldando, ok.

      Valeu por deixar o post lá também.

      Abração.

  7. Daniel

    Pois é, meu amigo, mas como depender de uma iniciativa de um povo que, como você, foi criado achando graça dessa programação (diga-se de passagem não apenas restrita à TVS), mas que, na fase adulta, não atingiu o discernimento necessário provocador dessa sua reflexão? Como depender de um povo que, apesar das falcatruas escancaradas, reelege Sarneys, Collors, Malufs? Isso sem falar na quadrilha PT/PMDB. O cíclo é vicioso e o país viciado. Alguma solução viável? Não sei. Mas não tenho dúvidas de que tudo isso faz parte de um processo de evolução cultural da nação. Tomando a história como parâmetro, o Brasil foi descoberto em 1500, o Louvre foi fundado 1190. Somos um país muito jovem e certamente ainda vamos evoluir muito mais do que já evoluimos. Não tenho a menor ideia para a solução da nossa paralisia educacional/cultural. Não podemos (nós quem?) é parar de nos indignarmos com o errado. Aí sim seria retrocesso.

    Me desculpe se fugi do assunto, mas, na minha visão, a sua reflexão e indignação é consequência de um problema macro.

    Não deixe de escrever! É sempre um prazer ler seus textos. Abração!!

    • Wellington Campos

      Daniel, concordo plenamente com sua observação.

      Fugir do assunto? De forma alguma, tudo absolutamente pertinente. A questão da TV é simplesmente uma face de um problema que, como você afirma, é macro. Educação, consciência social, evolução cultural, tudo isso é parte do longo processo pelo qual passamos. Não podemos negar que o Brasil ainda está em sua juventude de desenvolvimento, mas nós, que temos clareza disso, devemos fazer o possível para que nossa indignação seja propagada.

      É um prazer contar com suas visitas e com seus comentários. Abração!

  8. Marília Monteiro

    Sr. Autor,
    Como estás? Gostei da discussão, mas antes de qualquer coisa tenho uma pergunta: quem são as meninas na montagem com a Maísa?
    Sem outra explicação mais satisfatória para a questão da mídia, em especial a televisão, no Brasil fico com uma tese carregada de marxismo de que os meios de comunicação servem como instrumentos de alienação da população. Programação feita para evitar a formação de senso crítico. Não sei se algum dia veremos mudanças nessa situação, mas acho que vale a pena se manifestar e usar dos meios disponíveis para propor uma outra visão de mundo, por favor… Precisamos de outra…
    Blogueiros de todo mundo uni-vos! (rsss)
    Bjos.

    • Wellington Campos

      Oi, Marília. Que bom que apareceu por aqui.

      As fotos com a Maisa são da Shirley Temple. Ela foi uma “atriz mirim”, nos EUA durante as décadas de 30 e 40, inclusive atribui-se aos filmes dela, entre 35 e 38, a manutenção da Fox Filmes sem quebrar durante a grande recessão.

      Quanto à sua tese referente aos meios de comunicação, creio que a discussão seja bastante profunda. Os meios de comunicação, assim como muitas outras instâncias sociais, são instrumentos que podem ser adequados aos propósitos mais diversos. Seu uso é condicionado por este propósito. Assim, afirmar que os meios de comunicação são instrumentos de alienação pode ser uma simplificação, desde que se considere que há realmente uma ideologia de alienação latente. Por isso mesmo, nós que temos a clareza desse processo somos responsáveis, de certa forma, por nos manifestarmos a favor de uma mídia com compromisso social. Não creio que a melhor manifestação seja o simples abandono da TV, por exemplo.

      Diante desse cenário, é importante também lembrar que o papel social da mídia é inegável, porém essas empresas estão, como nós, num sistema capitalista e também dependem de seus anunciantes para subsistir. Há que se equilibrar o binômio social X empresarial, uma vez que qualquer empresa privada busca o lucro.

      Um elemento pra te instigar: por que não abrirmos mais a discussão da alienação, chegando à Educação como articulador desses processos todos (cultura, mídia, engajamento social e opção de escolhas)?

      Mais uma vez, obrigado pela visita. Volte sempre.

      Beijo.

  9. Prezado Welligton Campos,
    ao navegar e fuxicar em blogs, cheguei até aqui.
    Achei o seu nome bastante curioso, pois, sou muito fan do rádio esportivo, da rádio Nacional desde 1996 e tinha um locutor esportivo que eu adorava e que se chamava Welligton Campos.
    Como amante do rádio esportivo, há 1 ano, fiz um blog que ressalta a memória do rádio esportivo carioca e do Brasil.

    Não sei se você é o Welligton Campos(cuja assinatura era “O moço do passarinho”), que tinha o seguinte bordão: “Galeeeeeeera, mije el passaritos…”)… Mas este locutor embalou alegrias, fúrias e dissabores do meu clube do coração: Bangu Atlético Clube.

    Enfim… caso vc. seja, o meu abraço e conheça o meu blog que ressalta e eleva a memória do rádio esportivo carioca:

    Blog do Rádio Carioca
    http://blogdoradiocarioca.blogspot.com

    • Wellington Campos

      Olá, Isabela.

      Bem, Wellington Campos eu sou desde nascido. Não aquele que bradava “mije el passaritos”, mas este que hoje apresenta a seus leitores o Texto e Contexto.

      Por conta de seu comentário, fui pesquisar um pouco mais e descobri a figura de meu homônimo (e acredite, temos outros). Na verdade, eu já tinha ouvido falar nele, mas não me tinha despertado a curiosidade em descobri-lo. Gostei muito de Blog do Rádio Carioca. Pode crer que frequentarei o espaço.

      No mais, sinta-se à vontade em voltar, conhecer o Texto e deixar seus comentários.

      Um abraço,

      Wellington Campos.

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